sábado, 18 de setembro de 2010

Domingos Duarte Lima: O político organista e o eterno suspeito

«O assassínio da amante de Lúcio Tomé Feteira trouxe de novo para a ribalta o rosto do advogado que foi uma figura central do cavaquismo

Os dedos que interpretavam Bach, Haendel ou Buxtehude nos órgãos das catedrais acompanhavam em gestos os discursos inflamados na Assembleia da República, folheavam processos, assinavam cheques.

Na última década e meia, Domingos Duarte Lima, o rosto parlamentar do cavaquismo, o impulsionador da Associação Portuguesa contra a Leucemia, o advogado envolvido na herança de Lúcio Tomé Feteira tem sido alvo de suspeitas que encheram páginas de jornais.

O transmontano que nasceu em Poiares (Régua), a 20 de Novembro de 1955, mas se mudou, ainda bebé, para Miranda do Douro, enriqueceu nas décadas de 80 e 90 e tornou-se uma vítima predilecta dos semanários O Independente e Tal & Qual. Em 1994, o filho de uma vendedora e de um modesto funcionário da EDP, o quinto de nove filhos e órfão de pai aos 11 anos, que dava explicações de História, Inglês e Matemática aos colegas de liceu e cedo começou a trabalhar na empresa imobiliária de um tio, era o poderoso líder do grupo parlamentar do PSD. Além de ser protagonista no confronto indirecto entre São Bento e Belém, dizendo que "o dr. Soares nunca mente, tem é verdades sucessivas", chamava "autómato" a António Guterres, "forma gorda e viscosa" a Jaime Gama, "burocrata empapoilado" a Alfredo Barroso.

Em Dezembro desse ano - que Duarte Lima classificaria depois como a época mais difícil para o Governo de Cavaco Silva e em que "o Parlamento era a Linha Maginot, onde se discutia se o cavaquismo caía ou não" (Expresso - 25 de Abril de 1997) -, uma manchete de O Independente era "Casa Cheia" - o semanário dirigido por Paulo Portas dedicou-lhe várias primeiras páginas -, resumo da notícia sobre suspeitas de fuga ao fisco e enriquecimento súbito (ver caixa), o que obrigaria o deputado a suspender o cargo em que se notabilizara.

Até 1997, quando o processo foi arquivado, o Ministério Público e a PJ analisaram a vida económica do político que aos 13 anos era organista da Sé de Miranda (famosa pela imagem do Menino Jesus da Cartolinha), chegou a Lisboa em 1974, frequentou o Liceu D. Pedro V (concluiu o curso com 19 valores) e licenciou-se em Direito, no ano de 1986, na Católica, com 14 valores e a alcunha de "Maestro", pois criou e dirigiu o coro daquela Universidade.

Fascinado pela figura de Sá Carneiro, aderiu ao PPD em Dezembro de 1974, mas a sua carreira partidária só começa quando a colega Margarida Marante o apresenta a Ângelo Correia, que o convidaria para seu assessor político e de comunicação quando foi ministro da Administração Interna no Governo da AD (a aliança PSD- -CDS-PPM). Deputado eleito por Bragança e por Lisboa (esteve na Assembleia da República de 1983 a 1995, de 1998 a 2002 e de 2005 a 2009), presidente da concelhia de Miranda do Douro, vice da distrital de Bragança, director do jornal Povo Livre , membro da Comissão Política Nacional, vice-presidente daquele órgão entre 1989 e 1991, o mais jovem líder da bancada parlamentar em 1991, autor da reformulação do programa do PSD, nem loureirista nem nogueirista (como então se designavam as principais facções internas), era uma estrela no firmamento do cavaquismo.

Paralelamente, o melómano que aprecia Schubert e Haydn, os discos dos companheiros de tertúlia Rui Veloso e Luís Represas, o estudioso de Hans Memling e demais vultos da pintura flamenga, o leitor que tanto devora um livro do padre Manuel Bernardes como de José Cardoso Pires, passando por Camilo e Pessoa, Ortega y Gassett e Vergílio Ferreira, São João da Cruz e Thomas Mann, começou a dar largas aos seus gostos caros. O gourmet tão assíduo no Solar dos Presuntos que os amigos até dizem haver ali uma paelha baptizada com o seu nome, o elegante que veste no Rosa & Teixeira e usa perfume Armani, o esquiador em estâncias como Madonna di Campiglio (Itália), Courchevel (França), Klosters (Suíça) ou Valle Nevado (Chile) era notado por aumentar as cilindradas dos automóveis e por adquirir andares de luxo e a quinta em Sintra, chamar uma decoradora para lhe tratar dos interiores da casa, comprar quadros holandeses e estatuetas de prata, uma cómoda veneziana ou um sofá Regência em ébano.

Com paciência de filatelista - tem colecções temáticas sobre os Descobrimentos e as Olimpíadas e participou em exposições universais -, explicava que, além da advocacia, era ainda presidente de órgãos sociais em quatro empresas privadas, negociava em obras de arte e obtivera lucros na Bolsa.

Além disso, afirmava ou deixava que se dissesse que trabalhava 12 ou 16 horas por dia, com a mesma força de vontade com que, a par da sua carreira académica e profissional, conseguira ainda tirar um curso superior de Música Sacra no Instituto Gregoriano de Lisboa, devorar os livros que compra nos idiomas que domina (inglês, francês, castelhano, italiano), tocar nos órgãos das igrejas portuguesas (tem uma autorização especial ) e até de catedrais estrangeiras, frequentar o Festival de Salzburgo e juntar material para o projecto do livro Os Quadros da Minha Vida.

No regresso ao Parlamento, após serem conhecidas as conclusões da investigação que durou dois anos e três meses, sentou-se numa das últimas filas e foi fotografado sozinho no hemiciclo. Mas voltava logo à política activa e, candidatando-se à Distrital de Lisboa, derrotava Pacheco Pereira e Passos Coelho.

Até que chegou a sua negra sexta--feira 13. Em Novembro de 1998, foi internado de urgência no IPO de Lisboa quando lhe foi diagnosticada uma leucemia mielóide aguda numas análises de rotina para um seguro de vida. Internado de imediato, passou meses em tratamentos, ciclos de quimioterapia e transplante da medula óssea do irmão - e, quando recorda esse tempo, evoca a luz dos olhos do filho, a leitura da Bíblia e a música de Bach.

Depois, perdeu as eleições na Distrital de Lisboa do PSD para Manuela Ferreira Leite e, quando queria ser o candidato autárquico a Sintra, a opção do partido foi Fernando Seara. Passou, então, a dedicar-se mais à advocacia e aos negócios, tornou-se membro do Conselho de Ética do IPO de Lisboa, ganhou mais tempo para ler Séneca ou Kafka e para se sentar num órgão a executar temas de Pachelbel ou de César Franck. E, agora, também para se defender das acusações.»

in DN online, 18-9-2010

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